29.11.07

Deu mais um tapa nela, já era tradição do casal. Ela já nem sabia porque apanhava, De manhã foi por não ter lembrado de colocar a manteiga na mesa. Agora poderia ser por qualquer coisa?
- Por quê? – Perguntou chorando.
- O que? – Rosnou sem desviar o olho do jogo na TV.
- Me bateu! Por que me bateu agora? – Estava ficando histérica, mas por pouco tempo, logo um sentimento de desespero e medo profundo tomou conta dela.
O marido, após o ataque quase-epilético e dos berros da mulher, virou o resto de sua lata de cerveja goela abaixo e a jogou no monte de latas – deviam ter umas quinze ali e, detalhe, ainda no primeiro tempo de jogo – que já não surpreendia sua “querida”, levantou e, pela primeira vez, desviou o olhar da tela. A cicatriz seria feia.
A mulher começou a recuar, passos lentos diante dos olhos penetrantes e raivosos de seu marido, até encostar-se à parede e ficar sem reação. Chorava compulsivamente, não precisava de um marido assim, queria fugir, mas no momento estava imóvel, como sempre ficava antes de uma surra.
Ele ainda estava parado, os olhos travados nos olhos dela, parecia que iriam explodir de tanta raiva contida neles. Finalmente, para desespero e gritos abafados de súplica de sua espoca, começou a andar lentamente em sua direção. Crescia cada vez mais em relação a ela, levantou a mão e a mulher ainda teve tempo de gritar:
- Na...! – a força da palma da mão calejada do trabalho na oficina mecânica fez com que a mulher fosse jogada para longe, praticamente decolou pelo corredor que levava até o quarto. A dor era imensa e agora ele virava para ela mais uma vez.
Sentiu que aquela não seria uma surra comum. Nunca havia levantado a voz dessa maneira contra ele. Mas estava certa de que tinha de tentar. Estava cansada daquela vida de sofrimento, tinha que reagir a qualquer custo, mesmo que o limite das surras passassem do normal.
- Por que você não me responde? Por que me bate? – Berrou histericamente enquanto levantava de costas para ele.
Começou a ouvir mais passos, interrompidos pelo som do cotovelo dele no meio de suas costas. Perdeu o ar por alguns instantes e quando levantou os olhos viu a janela do quarto, em cima da cama, aberta. Era isso, iria fugir.
- Maldito! – pensava em acertar as partes intimas com seu chute, mas apenas acertou o estômago. O suficiente para sair correndo, subir na cama e pular pela janela. Mas não o suficiente para que ele chegasse a tempo de lhe segurar as pernas logo depois do pulo fazendo com que ela desse com a face na quina da janela e berrasse de dor como nunca havia berrado antes, estava perdida.
O homem virou ela de frente para ele, ela sangrando deitada de barriga pra cima na cama e ele em cima dela dizendo:
- Quer saber por quê? Porque você me irrita! Me atrapalha. Eu trabalho o dia todo naquela espelunca tomando branca daquele velho inútil que não entende nada de carros e faço isso para sustentar a gente! Tudo o que peço é que facilite minha vida, pegue a merda da manteiga e deixe em cima da mesa, que me deixe assistir ao jogo do meu time em paz! E o que você faz? Me interrompe, passa bem na minha frente quando estou assistindo...!
- Foi por isso?! – a mulher agora parecia fora de si como se não acreditasse no que acabara de ouvir.
- Sim! E se acontece um lance importante, se tem uma falta feia?
- Olha pra você! Olhe o que está dizendo! – o grito foi estridente, forte, com a garganta à toda força.
O homem agora fazia uma cara que ela nunca tinha visto. Uma cara desamparada, arrependida. Ele levantou de cima dela e foi a passos lentos até a cozinha. Ela ouvia o barulho dos talheres e não entendia... Por pouco tempo. Viu ele voltar com um facão na mão, ainda estava sujo com o frango que ela cortava para o jantar. Estava perdendo forças até para chorar, um forte medo lhe ficava preso na garganta, era assim que iria morrer? Não.
- Sim, você está certa. Por favor, acabe com isso. Eu sou um ignorante que apenas torra o salário em bebida e a faz infeliz. Não mereço viver.
Estava chocada. Ele estava ali, em frente a ela, ajoelhado na cama com um facão deitado em suas mãos, oferecendo a oportunidade de liberdade através da morte dele. Ele agora derramava lágrimas e lágrimas, silenciosas, bem na sua frente. Não podia acreditar. Estava arrependido?
- Você... Arrependeu-se? Não posso matá-lo.
- Sim, me arrependi. Sim, você pode fazer isso. É a sua chance de se vingar desses vinte anos de violência que lhe dediquei.
- Mas, não posso matá-lo. –delicadamente empurrou as mãos dele, rejeitando a oportunidade – você deu esse primeiro passo, eu sei que você consegue se superar.
Um som quebrou o silêncio da casa. Agora as mãos do marido faziam um movimento rápido e feroz. Estava esfaqueando-a. Havia desfigurado o seu rosto e agora retalhava o resto do corpo. Esteve perto de ser curado, mas aquele som não era qualquer som, era o som da sua TV gritando:
- Gol!

Um comentário:

Nadezhda disse...

Essa mulher era mais uma dos "eternos maridos".